Diz a lenda que um sábio disse certa vez que “o primeiro passo rumo ao conhecimento é dar nome correto às coisas”. Se aplicada às sementes de gramíneas forrageiras, essa máxima leva a um assunto que talvez seja um tanto maçante para alguns, mas que ainda assim contribui para a comunicação precisa entre empresários, pesquisadores, produtores, técnicos e usuários. Enfim entre todos os que, de alguma, se relacionam com esse tipo de sementes. Afinal, boa comunicação é uma das bases de sustentação da eficiência e da eficácia de qualquer empreendimento humano. Então, vejamos.
Para começar, é preciso lembrar que as espécies vegetais atualmente mais utilizadas como pastagens cultivadas em regiões tropicais e subtropicais pertencem à família botânica Poaceae (alt. Gramineae) e, mais precisamente, à subfamília Panicoideae e à tribo Paniceae. Esse grupo inclui, por exemplo, a Megathyrsus maximus (syn. Panicum maximum) e várias espécies dos gêneros Urochloa (syn. Brachiaria) cujas cultivares são muito populares no Brasil. As espécies que compõem esta tribo vegetal compartilham características morfológicas reprodutivas diferentes das apresentadas por capins pertencentes a outras tribos (exemplos: capins andropógom (Andropogon gayanus var. bisquamulatus), jaraguá (Hyparrhenia rufa), rodes (Chloris gayana), entre outros]. Esse fato tem importantes implicações agronômicas e comerciais.
A maior parte das cultivares de espécies da tribo Paniceae é capaz de produzir uma admirável estrutura de disseminação (Figura 1) que consiste de uma espigueta (i.e., uma pequena espiga) formada por dois floretes ou flósculos (‘florzinhas’), cada um composto por duas por escamas membranosas (glumelas), a pálea e a lema. Um dos flósculos é estéril, pois contém apenas o androceu (o órgão masculino da flor) constituído por estames, cada um formado por um filete e uma antera. O outro é fértil, pois contém tanto o androceu quando o gineceu (o aparato feminino da flor) composto por óvulo, ovário, estilete e estigma (Figura 2).
Tal composição o torna capaz de produzir um fruto, nesse caso denominado cariopse (Figura 3), mas por várias razões nem sempre o produzem. A cariopse resulta da fusão das paredes do ovário (pericarpo) com as paredes (tegumentos) do óvulo fertilizado (zigoto). Este, quando satisfatoriamente desenvolvido, contém um endosperma (tecido reserva de produtos da fotossíntese) e embrião (Figura 4). No processo de desenvolvimento da espigueta o florete estéril se comprime contra a pálea do florete fértil. Todo esse conjunto é circundado por outras escamas membranosas (uma ou duas, dependendo da espécie) chamadas glumas (Figura 3). O grupamento de glumas e glumelas mostra-se frequentemente associado à dormência apresentada por sementes de várias espécies dessa tribo de espécies vegetais. Espiguetas contendo cariopse são denominadas ‘sementes’; quando não a contém, então, são popularmente chamadas de “sementes chochas“.
Resumindo: nesse importante grupo de gramíneas que compõe a tribo Paniceae, a semente propriamente dita encontra-se fundida às paredes de um fruto seco (a cariopse) que é envolvido e protegido por escamas celulósicas membranosas. Ou seja, trata-se de um conjunto de partes que compõe um pequeno órgão de disseminação (Figura 1), no qual o embrião se encontra protegido e suprido de reservas nutricionais. Associada a outras características como dormência e degrana (isto é, desprendimento físico e queda da planta-mãe), comuns a várias espécies vegetais, essa estrutura favorece a dispersão temporal e espacial da germinação, desse modo contribuindo à preservação natural dessas espécies.
Assim, há muito mais na ‘semente’ de várias gramíneas utilizadas como pastagens do que sugere sua singela aparência. Sua utilização agrícola eficiente e eficaz depende do conhecimento e do domínio das suas características únicas. Conhece-las pelo nome correto contribui para que isso seja alcançado.
Mais sobre esse assunto pode ser encontrado em:
LOCH, D.S.; ADKINS, S.W.; HESLEHURST, M.R.; PATERSON, M.F.; BELLAIRS, S.M. Seed formation, development, and germination. In: Moser, L.E.; Burson, B.L.; Sollenberger, L.E. (Eds.). Warm-season (C4) grasses. Agronomy Monograph, 45. Madison-WI: American Society of Agronomy, Crop Science Society of America; Soil Science Society of America. Chapter 4, p.95-143. 2004.
Agradecimento:
o Autor agradece ao Designer Flávio Dourado de Souza pela digitalização das imagens incluídas nesse texto.
Este texto pode ser citado da seguinte maneira:
SOUZA, F.H.D. Sementes de gramíneas forrageiras tropicais: mais do que veem os olhos. Disponível em: https://progreseed.com.br/sementes-de-gramineas-forrageiras- tropicais-mais-do-que-veem-os-olhos/ Consultado em: dia/mês/ano.