A qualidade de um lote de sementes é determinada pelo conjunto das suas características físicas, fisiológicas, sanitárias e genéticas. A importância das características genéticas cresce à medida que aumenta a disponibilidade de cultivares de uma determinada espécie, com o que ficam aumentadas as chances de ocorrência misturas. Isso é indesejável, pois não há como assegurar o desempenho agronômico desejado da cultivar se o lote de sementes plantado não for geneticamente puro.
A pureza genética de lotes pode ser comprometida por contaminações resultantes de misturas acidentais de sementes durante a produção, a colheita, o beneficiamento e a embalagem ou por fecundação por pólen vindo de outras cultivares facilitada, por exemplo, por isolamento insuficiente entre lavouras. Outra causa de comprometimento é a mudança genética decorrente do número excessivo de multiplicações, ou seja, de gerações, verificada especialmente entre as cultivares alógamas.
A análise para verificação da presença de outras cultivares como contaminantes é feita em laboratórios, sob demanda ou obrigatoriamente para espécies para as quais existe um padrão oficial estabelecido para fins de comercialização. Essa verificação, entretanto, não é simples.
De acordo com as ‘Regras para Análise de Sementes’ (Brasil, 2009) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), análise para verificação de outras cultivares tem como objetivo a determinar do número de sementes de cultivares presentes como contaminantes em amostra de sementes de uma cultivar ou da percentagem de sementes puras da cultivar indicada pelo interessado na amostra analisada. Os métodos ali preconizados fundamentam-se em diferenças morfológicas entre sementes, plântulas ou plantas.
Há três níveis principais de complexidade nessa análise. O mais simples é aquele no qual a presença de alguma característica morfológica das sementes (exemplos: cor, forma, dimensões, apêndices, etc.), exclusiva da cultivar, permite sua identificação visual. Isso pode ser feito por técnicos treinados sem necessidade de equipamentos ou de infraestrutura especial. Seus resultados, entretanto, são às vezes questionáveis, pois determinadas características podem ser mascaradas ou eliminadas pelo preparo e manuseio das sementes e por condições ambientais prevalecentes durante sua produção (local, clima, manejo, etc.).
Não havendo característica morfológica única e identificável nas sementes, há casos em que a distinção pode ser feita com base em características das plântulas (exemplos: coloração, formas, etc.) ou das plantas (exemplos: coloração, formas de estruturas vegetativas e reprodutivas, pilosidade, hábito de crescimento, altura, colar, aurícula, lígula, etc.). Esse exame demanda tempo e requer a disponibilidade de câmaras de crescimento controlado, de casas de vegetação ou de parcelas no campo. Os resultados desses testes também estão sujeitos a influências indesejáveis resultantes, por exemplo, das condições sob as quais são realizados.
O exame é mais complicado quando envolve cultivares que diferem entre si apenas pelo desempenho agronômico, ou seja, aquelas que não apresentam qualquer característica morfológica que permita sua distinção visual. A morfologia é incapaz de revelar determinados atributos genéticos diferenciadores como qualidade ou resistência das plantas a pragas e doenças, por exemplo.
Nesses casos restam como alternativas métodos mais complexos e onerosos, porém mais precisos que os demais já mencionados. São exemplos: métodos bioquímicos, fisiológicos, citológicos, imagens computadorizadas, eletroforéticos, químicos, cromatográficos e moleculares. Estes requerem equipamentos, instalações e técnicos especializados. A escassa disponibilidade desses recursos em laboratórios de sementes talvez seja um dos limitantes à frequência desse tipo de avaliação no Brasil.
A dificuldade da avaliação da pureza genética de lotes de sementes por qualquer método é agravada por insuficiência de descritores disponíveis para muitas das cultivares registradas e comercializadas. Sem isso, a diferenciação torna-se difícil ou, às vezes, impossível.
Esse parâmetro de qualidade cresce em importância à medida que aumenta o número de cultivares, tal como tem ocorrido com as espécies forrageiras no Brasil. Esse fato é testemunhado, por exemplo, pelas 21 cultivares de Megathyrsus maximus (syn. Panicum maximum) atualmente incluídas no Registro Nacional de Cultivares/MAPA. Para essas, tal importância resulta do fato de que, sob condições de pastejo, se houver mistura de cultivares após algum tempo a pastagem pode não mais ser constituída pela cultivar que foi plantada.
Isso ocorre porque as cultivares dessas espécies podem diferir entre si quanto a uma ou várias das suas características, dentre elas o hábito de crescimento, as composições química e estrutural (relação talo/folha, por exemplo), a palatabilidade, a época, o período e intensidade de florescimento, as características bromatológicas diversas, etc.. Essas diferenças representam oportunidades de seleção aos animais pastejantes, cuja ação pode resultar em gradual alteração da composição botânica da pastagem.
Assim, por exemplo, as plantas de uma cultivar resultante da contaminação de um lote de sementes predominarão na pastagem após algum tempo se forem menos palatáveis que as da cultivar plantada. Isso ocorrerá porque os animais irão poupá-las ao consumirem preferentemente as plantas da cultivar mais palatável. Problemas como esse podem reduzir a vida útil da pastagem, dificultar seu manejo ou ter impacto importante na produtividade animal. Ou seja, impurezas varietais em lotes de sementes de plantas forrageiras perenes não são um falso problema.
Então, como evita-lo? Como assegurar a pureza genética de lotes de sementes de forrageiras? A rigor não há solução a não ser o uso de sementes produzidas em conformidade com um sistema que certifique a pureza genética de lotes de sementes valendo-se do controle do número de gerações dentre vários outros cuidados. Entretanto, o funcionamento de tal sistema requer empresas ou agências certificadoras ou certificador de produção própria (credenciado pelo MAPA) que garantam a pureza genética e a disponibilidade dos volumes necessários das várias categorias de sementes o compõem.
Inevitavelmente, além de demandar grande controle e planejamento esse fato agrega custos às sementes, os quais poucos produtores estão dispostos a pagar. Ademais, muitos produtores ainda dão pouca importância às misturas de cultivares de forrageiras, talvez por estarem pouco atentos às potenciais consequências a médio – longo prazos aos sistemas de produção pecuária que praticam ou, por não observarem diferenças significativas entre as cultivares mais populares. Essas podem ser as razões das baixíssima disponibilidade e demanda por sementes certificadas desse grupo de plantas no Brasil.
Esses fatos explicam a predominância atual no mercado brasileiro das sementes não certificadas de plantas forrageiras, incluídas nas categorias S1 e S2 no Sistema Nacional de Sementes e Mudas (Figura 1). Por serem produzidas a partir de sementes certificadas (C1 ou C2) ou mais raramente de categorias superiores (Genética, Básica), as sementes S1 e S2 têm origem genética comprovada. Em situações especiais o MAPA autoriza a produção de sementes sem origem genética nas categorias S1e S2.
Seja qual for a categoria, a produção é feita sob supervisão e controle de um Responsável Técnico (RT) de forma a atender específicos padrões oficiais de qualidade. E é responsabilidade do produtor de sementes garantir a pureza genética bem como os demais parâmetros de qualidade dos produtos que comercializa.
Há, portanto, razões suficientes para a não utilização de sementes produzidas fora do Sistema, as chamadas ‘sementes piratas’ que não garantem qualquer atributo de qualidade, razão pela qual seu desempenho agronômico é, na melhor das hipóteses, imprevisível e, frequentemente, improvável.
O interesse pela pureza varietal de lotes de sementes deverá aumentar no Brasil por uma série de razões. Dentre as prováveis estão 1) o aumento do número de cultivares morfologicamente semelhantes, porém com atributos agronômicos distintos, 2) o aumento da consciência dos produtores quanto à importância da pureza genética dos lotes, 3) o aumento do número de cultivares protegidas, e 4) a adoção pelo Brasil de normas da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre o tema. Paralelamente, o processo de controle será facilitado pela redução dos custos de avaliações feitas por métodos moleculares e sua consequente popularização.
Mais sobre esse tema pode ser encontrado em:
BRASIL. Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003. Artigo nº 24, Parágrafo Único. Presidência da República, Casa Civil, Brasília. Diário Oficial da União. Publicada em 06/08/2003, pg.1.
BRASIL. Decreto nº 10.586, de 18 de dezembro de 2020. Artigo nº 36. Brasília. Diário Oficial da União, Edição 243, Seção 1, pg.2. Publicado em 21/12/2020.
Esse texto pode ser citado do seguinte modo:
SOUZA, F.H.D. Misturas varietais em sementes de plantas forrageiras: um falso problema? https://progreseed.com.br/misturas-varietais-em-lotes-de-sementes-de-plantas-
forrageiras-um-falso-problema/ . Acessado Dia / Mês / Ano