A Brachiaria ruziziensis (sin. Urochloa ruziziensis) é uma das espécies de gramíneas tropicais perenes de origem africana, introduzida no Brasil nos anos 70 como parte de um acordo comercial firmado entre uma empresa brasileira e outra, australiana. Em um curto período essas introduções aumentaram consideravelmente o número de opções de forrageiras para uso como pastagens, mas por uma série de razões o interesse por várias delas, inclusive pela B. ruziziensis, não persistiu por muito tempo. A notória exceção foi a B. decumbens cv. Basilisk, que veio a tornar-se de enorme importância para a pecuária bovina brasileira.
Foi também na década de 1970 que insetos pertencentes a um grupo popularmente conhecido como ‘cigarrinha-das-pastagens’ (Deois flavopicta e Notozulia entreriana), tornaram-se pragas de grande importância econômica no Brasil; uma terceira espécie desse grupo (da família Cercopidae), a Mahanarva fimbriolata, tornou-se relevante um pouco mais tarde. Esses insetos limitaram a adaptação de diversas gramíneas usadas como pastagens (dentre elas a B. ruziziensis) em várias regiões. Também limitaram as áreas de cultivo de B. decumbens, porém não o suficiente para restringir a enorme popularidade por ela alcançada. Ocorre que esta espécie apresenta um conjunto de características não igualado por outras gramíneas tropicais, que a torna especialmente adaptada para uso como pastagem sob as condições de clima e de solo das regiões Sudeste e Centro-oeste do Brasil.
Interessantemente, além da susceptibilidade a essas pragas, a B. ruziziensis compartilha outras características com a B. decumbens, tais como idêntico hábito de crescimento, quer seja, suas plantas formam touceiras de até 1,0 m de altura sob condições de livre crescimento, e propagação por meio de sementes, de rizomas curtos e de perfilhos decumbentes que enraízam nos nós. Ademais, ambas as espécies apresentam alto potencial de produção de sementes viáveis, não toleram solos encharcados. A exemplo de outras espécies e cultivares do gênero, suas plantas não são multiplicadoras de várias espécies de nematóides fitopatogênicos (Heterodera glycines, Rotylenchulus reniformis), exceto Pratylenchus brachiurus, apesar de que algumas dessas espécies podem ser encontradas às vezes alojadas nas suas sementes.
Entretanto, ao contrário da B. decumbens, as plantas de B. ruziziensis não se adaptam a solos de baixa fertilidade e nem, tampouco, rebrotam rapidamente ou apresentam qualquer crescimento nos períodos secos. Acrescente-se a isso o fato do seu potencial de produção de forragem ser inferior ao da B. decumbens, mesmo quando são atendidos seus requisitos de solo de clima. A palatabilidade para bovinos e a qualidade bromatológica das plantas de B. ruziziensis, superiores até às das demais espécies do mesmo gênero, não foram suficientes para que essa espécie conquistasse popularidade.
Por essas razões, para uso como pastagem, por muitos anos a B. decumbens mereceu a preferência dos pecuaristas nas regiões Centro-oeste e Sudeste do Brasil, enquanto a B. ruziziensis, entre outras espécies e cultivares, permaneceu quase esquecida. Entretanto, ressurgiu interesse por ela à medida que se popularizou o sistema de plantio direto na palha a partir dos anos 90, hoje praticado em milhões de hectares. Com isso essa espécie passou a ocupar um grande ‘nicho alternativo’ no mercado brasileiro, de forma que milhares de toneladas de suas sementes têm sido comercializadas a cada ano.
Para isso contribuíram as seguintes características das suas plantas:
– touceiras pouco vigorosas e colmos macios que não representam obstáculo a equipamentos usados para plantio direto na palha;
– baixo potencial invasor;
– ampla disponibilidade de sementes no comércio;
– fácil estabelecimento;
– ausência de efeitos alelopáticos (diferente do verificado com plantas de outras espécies de gramíneas tropicais);
– plantas facilmente dessecadas com herbicidas amplamente utilizados na agricultura brasileira;
– se semeada no início do outono, produz suficiente massa vegetal para prover a quantidade adequada de palhada para o plantio direto.
Não há relatos de outras introduções comerciais dessa espécie no Brasil, além dessa feita nos anos 70. Isso permite supor que as sementes disponíveis no comércio brasileiro são da cultivar Kennedy, desenvolvida na Austrália nos anos 60. Essa situação, porém, deve mudar face o registro feito em 2019 pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de uma nova cultivar dessa espécie, a cv. BRS Integra, cujas sementes deverão ser proximamente disponibilizadas ao comércio.
O renovado interesse por essa espécie levanta a seguinte questão: será que alguma outra espécie/cultivar ‘esquecida’ também tem chances de ressurgimento? Será que da avaliação destas ‘esquecidas’ sob novos enfoques pode surgir outra nova ‘fênix’? Essa questão torna-se valida nesses tempos nos quais surgem interesses por usos alternativos de cultivares de gramíneas originalmente desenvolvidas para uso como pastagem. Exemplos desses tipos de uso são: produção de biocombustível, cobertura do solo (entre-linhas) em pomares, em margens de rodovias e de pistas em aeroportos, contenção de taludes, controle de pragas e de doenças em várias culturas agrícolas, recuperação de áreas degradadas, biorremediação, alimentação de suínos e de aves, etc.
Seja como for, as gramíneas tropicais continuarão a se firmar como provedoras de possibilidades e de oportunidades interessantes e inovadoras para sistemas de produção agrícola no Brasil e no mundo.
Mais sobre esse assunto pode ser encontrado em:
KELLER-GREIN, G.; MAASS, B.L.; HANSON, J. Variación natural en Brachiaria y bancos de germoplasma existentes. In: Miles, J.W.; Maass, B.L.; Valle, C.B. (eds.): Brachiaria: biología, agronomía y mejoramiento. CIAT/EMBRAPA. Capítulo 2, p.18-45, 1998.
MALLMANN, G.; VERZIGNASSI, FERNANDES, C.D.; SANTOS, J.M.; VECHIATO, M.H.; INÁCIO, C.A.; BATISTA, M.V.; QUEIRÓZ, C.A. Fungos e nematoides associados a sementes de forrageiras tropicais. Summa Phytopathologica, Botucatu, v.39, n.3, p.201-203, 2013.
PARIZ, C.M; ANDREOTTI, M.; AZENHA, M.V.; BERGAMASCHINE, A.F.; MANO, L.M.; MELLO, L.M.M.; LIMA, R.C. Massa seca e composição bromatológica de quatro espécies de braquiárias semeadas na linha ou a lanço, em consórcio com milho no sistema de plantio direto na palha. Acta Scientiarum, Animal Sciences, v.32, n.2, p.147-154, 2010.
XAVIER, D.F.; CARVALHO, M.M.; BOTREL, M.A.; VILELA, D. Características e potencialidades de pastagens de braquiárias para produção de leite. Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora – MG. Documento, 87. 2002. 31p.
Esse texto pode ser assim citado:
SOUZA, F.H.D. Brachiaria ruziziensis: A ‘Fenix’ Das Braquiárias. Disponível em: www.progreseed.com.br/brachiaria-ruziziensis-a-fenix-das-braquiarias/ Acessado em Dia/Mês/Ano.