Dentre os nutrientes essenciais ao desenvolvimento das plantas, o nitrogênio (N) é aquele demandado em maior quantidade. Associado a compostos de carbono, esse nutriente desempenha papeis fundamentais nas estruturas e no metabolismo vegetais. Na maior parte das espécies vegetais, cerca de 90% do N está presente na forma de proteínas (Taiz; Zeiger, 2006). Entretanto, apesar de constituir a maior parte da atmosfera (78%) e de ocorrer em grandes quantidades imobilizadas em rochas, as plantas só absorvem nas formas de nitrato (NO3–) e de amônia (NH4+). Por essa razão o N é o nutriente que mais frequentemente limita produções agrícolas.
Plantas da família das fabaceas (leguminosas) conseguem aproveitar o N atmosférico (N2) por meio da associação simbiótica que estabelecem com determinadas bactérias, dentre as quais estão espécies do gênero Bradyrhizobium. Localizados em nódulos radiculares, esses microrganismos têm a capacidade de transformar N2 em amônia a qual disponibilizam às plantas em troca de certos nutrientes e de carboidratos (Taiz; Zeiger, 2006). Há muitos anos essa simbiose natural vem sendo largamente explorada na agricultura mundial. Porém, apesar do crescente acúmulo de evidências científicas de fixação simbiótica de N2 envolvendo espécies de outras famílias, principalmente a das gramíneas (poaceas), entre estas a ampla exploração comercial dessa simbiose está ainda para acontecer.
Assim, a produção agrícola de muitas espécies depende da transformação artificial de N2 para as formas assimiláveis pelas plantas. A demanda mundial por essas formas tem sido suprida pelo processo químico-industrial ‘Harber-Bosch’, desenvolvido nos anos 1830. Por meio dele, em equipamentos industriais de grande porte, hidrogênio (H2) obtido de combustíveis fósseis (gás natural, óleo, carvão) é combinado com N2 (atmosférico) sob altas temperaturas (400 – 600℃) e pressões (100 – 200 atms), resultando em amônia (NH4+) na forma de um gás incolor, solúvel em água, a partir do qual são produzidos outros fertilizantes como sulfato, nitrato, fosfato e ureia (Chagas, 2007).
Ocorre, no entanto, que o custo energético desse processo é tão alto que se estima que ele tem sido responsável pelo consumo de 1 – 2% de todo o suprimento energético mundial! E, não bastasse isso, seu uso contribui ao acúmulo de gás carbônico (CO2) na atmosfera e, consequentemente, ao flagelo do aquecimento climático global. Alternativas à melhoria da eficiência e da eficácia do processo ‘Harber-Bosch’ sido buscadas e, aliás, algumas já se encontram implantadas ou em vias de implantação (Qing et al., 2020; Snyder et al., 2023).
Dentre as mais interessantes, uma tem sido trabalhada há vários anos por um grupo de pesquisadores japoneses liderado pelo Professor Y. Nishibayashi, da Universidade de Tokyo, com resultados surpreendentes. Esse grupo se propôs a desvendar os mecanismos da fixação biológica de N2. Um trabalho de engenharia reversa permitiu aos pesquisadores compreender o mecanismo de funcionamento da nitrogenase, uma enzima usada pelos microrganismos no processo de fixação. A partir disso, passaram a buscar catalizadores químicos capazes de reproduzir o modo de funcionamento dessa enzima-chave.
Descobriram que reações químicas envolvendo água ou álcool catalisadas por uma determinada associação de dois minerais (molibdênio e samário) resultaram na produção de amônia sob condições ambientais não alteradas de temperatura e de pressão a taxas semelhantes às produzidas naturalmente pelos microrganismos. Esse conhecimento lhes permitiu construir um aparato capaz de produzir amônia, pequeno o suficiente para ser posicionado sobre um balcão de laboratório (Ashida et al., 2019).
Em outras palavras: esse grupo desenvolveu um processo simples, não poluente, de produção de amônia, a partir de substratos abundantes e baratos (água ou álcool), usando regentes recicláveis (os dois minerais) e um mínimo de energia, sob condições ambientais de temperatura e de pressão.
Esse processo ainda não está sendo utilizado em escala industrial, porém o enorme potencial de impacto dessa tecnologia é fácil de ser imaginado. Uma das principais limitações às produções agrícolas poderá ser reduzida caso esse processo seja adotado em larga escala. A produção, a disponibilidade e a distribuição mundial de fertilizantes nitrogenados poderão ser ampliadas e consequências sobre preços de fertilizantes e custos da produção agrícola mundial talvez se tornem inevitáveis.
E, ademais, o advento dessa tecnologia torna também pertinente algumas questões interessantes. Por exemplo: Caso a disponibilidade e o custo de fertilizantes nitrogenados deixem de ser limitantes da produção agrícola, qual seria o outro (próximo) nutriente vegetal limitante? E quais seriam os impactos ambientais prováveis da ampliação do uso desse tipo de fertilizantes?
Sem dúvida, novos tempos, novas possibilidades.
Literatura citada:
ASHIDA, Y.; ARASHIBA, K.; NAKAJIMA, K.; NISHIBAYASHI, Y. Molybdenum-catalysed ammonia production with samarium diiodide and alcohols or water. Nature, v.568, p.536-540, 2019. DOI: 10.1038/s41586-019-1134-2
CHAGAS, A.P. A síntese da amônia: alguns aspectos históricos. Química Nova, v.30, n.1, p.240-247, 2007. DOI: 10.1590/S0100-40422007000100039
QING, G.; GHAZFAR, R.; JACKOWSKI, S.T.; HABIBZADEH, F.; ASHTIANI, M.M., CHEN, C.P.; SMITH III, M.; HAMANN, T. W. Recent advances and challenges of electocatalytic N2 reduction to ammonia. Chemical Review, v.120, n.12, p.5437-5516, 2020.
DOI: 10.1021/acs.chemrev.9b00659
SNYDER, B.E.R.; TURKIEWICZ, A.B.; FURUKAWA, H.; PALEY, M.V.; VELASQUEZ, E.O.; DODS, M.N.; LONG, J.R. A ligand insertion mechanism for cooperative NH3 capture in metal- organic frameworks. Nature, v.613, p.287-291, 2023. DOI: 10.1038/s41586-022-05409-2
TAIZ, L.; ZEIGER, E. Assimilation of mineral nutrientes. In: Plant physiology. 4th ed., Sinauer Assoc. In., Sunderland, USA. Chapter 12, p.289-313, 2006.
Esse texto pode ser citado do seguinte modo:
SOUZA, F.H.D. Fertilizantes nitrogenados: novos tempos, novas possibilidades. Disponível em: https://progreseed.com.br/fertilizantes-nitrogenados-novos-tempos-novas- possibilidades/. Visitado dia/mês/ano.